É conosco foi assistir “2415”, uma dança-instalação criada e interpretada pela bailarina e atriz Marcela Páez como resposta a urgência gerada pelo avanço das crises climática, ecológica e social que estamos vivendo.
Como será a vida nos mares de plástico do futuro e as criaturas que neles vão viver?
Um eco sutil pulsa sob o manto plástico e em ritmo lento ergue-se um lado, num suspiro quase imperceptível. O movimento se propaga como corrente marítima, o gesto reverbera. Entre marolas de plástico asfixiante, o embate entre o natural e o criado pela mão humana
Marcela iniciou sua pesquisa para esse trabalho durante o mestrado em Artes da Cena, que concluirá este ano. Segundo a atriz e bailarina, quando lideranças indígenas e acadêmicos (sejam biólogos, antropólogos ou filósofos) denunciam essas realidades, muitas vezes eles convocam produções artísticas para que tragam essas discussões à tona em todas as suas expressões.
Encontrei na dança-instalação a forma de mostrar a potência da arte para provocar essa discussão, onde as inquietações ecológicas são as protagonistas
A ideia de batizar o solo de “2415”, surgiu com a discussão sobre a visão de que, em 400 anos, o planeta não será mais o mesmo pois, a imensa maioria das espécies que se conheciam em 2015, já não existirão.
A artista buscou inspiração para desenvolver a criatura protagonista do solo, em seres invertebrados, cheios de tentáculos autônomos. Sai de cena o foco no cérebro e a figura vertebrada da artista mergulha no modo de ser invertebrado. Nasce, então, uma figura que emerge do mar plastificado. Como um Monstro do Lago Ness envolto em quilos e quilos de plásticos guardados durante uma vida.
Eu fiquei indignada quando notícias mostravam pesquisas científicas sobre estruturas rochosas feitas de plástico na Ilha de Trindade* e minhocas consumindo plástico.
Alguns autores contemporâneos discutem como essas transformações na biosfera não são fruto de uma ação humana genérica, mas sim da forma capitalista de ocupar o planeta, essa lógica de consumo e produção.
“Pensei em transformar essas questões tão importantes para o futuro da humanidade numa dança-instalação, provocativa, sensorial e meditativa, com muitos silêncios. A plateia sai com uma impressão muito forte pois não faço o solo sozinha, o plástico dança comigo num mar de plástico. É inquietante” - conclui Marcela.
Sobre Marcela Páez – Atriz e Bailarina, atua como educadora ministrando aulas de teatro e de dança. Filha de mãe Argentina e pai Chileno, considera-se uma atriz latino-americana. Teve oportunidade de conhecer países como Chile, Argentina, México e participou de Festivais em New York e Espanha. O solo “2415” teve sua estreia em outubro de 2023, no Teatro do Centro da Terra (SP) e, desde então, tem sido um ponto focal para reflexões sobre o futuro da vida no planeta. Atualmente seu livro de cabeceira é O Cogumelo do Fim do Mundo – sobre as possibilidades de vida nas ruínas do capitalismo, da etnóloga Ana Tsing. Sua filosofia de vida é inspirada na frase: "que nadie escupa sangre para que otro viva mejor", de Atahualpa Yupanqui.
*Artigo publicado por cientistas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e de outras instituições brasileiras no periódico Marine Pollution Bulletin, da plataforma ScienceDirect (Elsevier), revela que foram encontraram novos dados que comprovam que o homem está atuando como agente geológico e ocasionando a geração de novas rochas, a partir da poluição marinha. O estudo relata a ocorrência de rochas idênticas às naturais mas compostas por plástico no Parcel das Tartarugas, região da Ilha da Trindade – ilha vulcânica localizada a 1.140 quilômetros de Vitória (Espírito Santo) e administrada pela Marinha do Brasil.
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