Quando você faz uma reforma em casa, geralmente paga pela instalação de uma caçamba, na qual é jogado o entulho da obra.
O material é depois levado embora, e pronto, problema resolvido, certo?
SÓ QUE NÃO
De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), lei em vigor desde 2010, a responsabilidade pelo descarte correto segue até o fechamento do ciclo. Ou seja, caso o conteúdo da caçamba seja descartado de maneira irregular, você, o contratante, pode ser multado, sofrer uma ação civil e até ser preso por desrespeito à lei ambiental.
A dica para se prevenir é pedir sempre à empresa de caçambas o Controle de Transporte de Resíduos (CTR), documento que comprova que o seu entulho será corretamente destinado.
De todo modo, fechar o ciclo da economia circular de maneira ideal não é fácil.
“A maioria das pessoas acredita que, a partir do momento que sai da sua casa, o entulho não é mais responsabilidade delas”,
É o que afirma Rafael Teixeira, diretor-conselheiro da Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon) e diretor do grupo Rafa Entulhos.
Rafael fala com a propriedade de quem está há 20 anos no negócio de caçambas e faz 10 mil coletas por mês.
O Grupo Rafa Entulhos vem se expandindo, e hoje conta também com sete unidades da Luca Ambiental, que faz triagem dos resíduos, e mais recentemente, há três anos, abriu a Rafa Resolve, no ramo de transporte e logística.
Segundo ele, o grupo coleta e encaminha para a logística reversa todos os meses 40 mil metros cúbicos de resíduos da construção.
Considerando que o volume de resíduos da construção civil aumentou de 33 mil toneladas em 2010 para 44,5 mil em 2019 (alta de 33%), que o setor é o maior responsável pela emissão de gases que aumentam os efeitos nocivos do aquecimento global e que o percentual de resíduos da construção equivale a 60% de tudo que é descartado, a conclusão óbvia é que precisamos buscar soluções urgentemente, uma vez que hoje apenas 20% dos materiais são destinados corretamente, de acordo com a pesquisa setorial da Abrecon 2020/2021.
O restantes 80% seguem para aterros ou são descartados de maneira irregular.
“Sempre se soube que a construção civil é uma vilã, porque consome muitos recursos naturais e gera resíduos em grande escala. Porém, só o apelo ambiental não tira projetos da gaveta.
O empresário precisa enxergar o ganho econômico.
"Felizmente, as empresas estão acordando para o fato de que sustentabilidade traz dinheiro. E é assim que vamos conseguir mudar o jogo”
O engenheiro Pedro Lombardi Filho, doutorando em Saúde Global e Sustentabilidade na Faculdade de Saúde Pública da USP aposta nessa tendência.
Mas como conseguir de fato melhorar os índices de reaproveitamento de recursos na construção civil?
A resposta para o curto prazo é a logística reversa.
Difícil, trabalhosa e absolutamente necessária. E tem gente conseguindo fazer. “Temos o programa Gestão 90+ e com ele já conseguimos assegurar que chegam à reciclagem 90% das embalagens pós consumo utilizadas na construção civil”, diz Teixeira.
Esse ótimo índice de aproveitamento, totalmente diferente da média nacional, só é possível em razão de uma logística de triagem muito afinada, que começa nos canteiros de obras.
O empresário Cleberson Ferraz, egresso do departamento de sustentabilidade da Trisul, abriu há três meses a própria companhia, a Mundial Consultoria em Sustentabilidade e Inovação, e atua nesse campo, fazendo o trabalho de treinamento de funcionários nas construções, firmando parcerias entre fabricantes, recicladoras e associações de classe.
“Para acontecer a logística reversa de verdade, é preciso integrar todos os parceiros dentro da mesma ideia.”
Cleberson monta programas para as construtoras, de maneira que tudo sai de graça para as empresas. E elas ainda recebem comprovantes de participação nos programas de logística reversa, com atestado de rastreabilidade. Esses documentos ajudam a obter certificações ambientais.
Na parte operacional, a Rafa Entulhos faz coletas em 170 canteiros de obras, recolhendo todo tipo de materiais, entre sacarias de argamassas, plástico, vidro e metais.
Os resíduos de maior volume (65% do total), como argamassa e concreto, são transformados em agregado reciclado, e vendidos de volta às construtoras, que os utilizam novamente nas construções.
Já os materiais potencialmente perigosos, como restos de tintas e solventes, passam por beneficiamento antes do descarte, para que não contaminem solo e lençóis freáticos ao chegarem aos aterros sanitários. E as latas de tinta integram um programa específico, o Prolata.
O PROGRAMA DE RECICLAGEM DE LATAS FECHA O CICLO COMPLETAMENTE
Recolhidas nas obras, as latas seguem para a triagem e separação em entrepostos, depois são revendidas às usinas siderúrgicas, que economizam recursos ao fabricar novas embalagens com o material reciclado, em vez de gastar muito mais com a manufatura a partir de materiais virgens.
E assim se diminui a extração dos recursos naturais.
O Prolata, que conta com participação de 80 parceiros, entre eles construtoras como Cyrella, Gafisa, Patriani, Trisul e Tecnisa, já recolheu, desde outubro de 2020, um total de 170 mil latas, de acordo com Thaís Fagury, diretora do projeto e presidente da Associação Brasileira de Embalagem de Aço - Abeaço - que fornece suporte técnico e mercadológico aos fabricantes.
“Temos 180 postos de recebimento e pretendemos chegar a 200 até o final do ano”, afirma.
“E nossa prioridade maior é aumentar o pilar educação, dentro do qual fornecemos treinamentos para professores das redes estaduais e municipais sobre economia circular.”
SOBRE CAÇAMBAS DE ENTULHO
O preço ao consumidor está em R$ 350, em média.
A caçamba pode ficar no local por, no máximo, três dias úteis.
A empresa contratada deve fornecer o Controle de Transporte de Resíduos (CTR), a garantia de que o entulho será descartado corretamente, pois o contratante pode ser responsabilizado no caso de descarte ilegal.
São feitas cinco mil coletas de caçambas de entulho na região da Grande São Paulo todos os dias.
Há mais de mil empresas cadastradas.
Fonte: Abrecon
PÓS-OBRA COM CONSCIÊNCIA
A obra acabou. E agora? As empresas que atuam no setor de limpeza pós-construção estão atentas aos tempos de consumidor preocupado com a sustentabilidade.
A Camargo Química fabrica produtos biodegradáveis para fazer a limpeza sem agredir o ambiente, removendo concreto, argamassa e outros resíduos.
Já a Proclean, empresa de Sorocaba (interior do Estado de São Paulo), que fabrica produtos de limpeza para uso em canteiros de obras, divulga reciclar de 20% a 50% das embalagens pós consumo e obteve o selo eureciclo, que certifica a correta compensação ambiental.
“A meta é neutralizar 100% do carbono até 2030”
É o que afirma Henrique Cunha, gerente de marketing da empresa.
O texto "LIXO? ISSO NÃO EXISTE. TUDO SE APROVEITA" é da colaboradora Lúcia Helena de Camargo que é jornalista há 30 anos. Formada pela PUC-SP, trabalhou na Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário do Comércio, entre outras publicações. Editou a revista Becicle, publicação sobre ciclismo, saúde e meio-ambiente. Nos últimos anos tem atuado como criadora e editora de conteúdos, principalmente nas áreas de sustentabilidade, diversidade e equidade de gêneros.
MAIS INFORMAÇÕES:
PROLATA: https://www.prolata.com.br/
RAFA ENTULHOS: https://rafaentulhos.com.br/
ABEAÇO: https://abeaco.org.br/
ABRECON: https://abrecon.org.br/
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